Dialética vem do grego dialektiké, e se refere à arte do diálogo racional.
Na filosofia, é usada como método para chegar à verdade através da oposição de ideias.
É a base de métodos como a maiêutica socrática, a lógica hegeliana e até o debate científico.
Ela também foi estudada por Schopenhauer, um pessimista convicto, que observou que a maioria das discussões não busca a verdade, mas sim parecer certo.
Ele chamou isso de dialética erística: a arte de vencer discussões, mesmo sem ter razão.
Na dialética erística, o debate é visto como um duelo, não como um diálogo.
As pessoas usam modos (formas de argumentar) e vias (atalhos emocionais e retóricos) para desestabilizar o outro.
Isso é cada vez mais comum em redes sociais, política e… sim, também no design.
Para deixar isso ainda mais claro, vamos ver exemplos atuais aplicados aos estratagemas desvendados por Schopenhauer em sua obra.
Os 38 estratagemas de Schopenhauer com exemplos atuais
















1. Ampliar a tese do oponente até o absurdo
➡️ Exemplo: “Você quer regular redes sociais? Então você quer uma ditadura digital, é isso?”
2. Usar significados ambíguos das palavras a seu favor
➡️ Exemplo: “Você disse que é contra o sistema. Então é contra hospitais públicos também, né?”
3. Forçar o oponente a generalizar — e atacar a generalização
➡️ Exemplo: “Você é contra a meritocracia? Então você acha que ninguém precisa se esforçar na vida?”
4. Esconder sua tese real até o fim da conversa
➡️ Exemplo: Ficar jogando perguntas e armadilhas sem dizer o que você realmente pensa até achar o melhor momento para atacar.
5. Provocar o oponente para que ele exagere — e então refutar o exagero
➡️ Exemplo: “Você falou que odeia influencers… então deve odiar sua mãe também, já que ela posta no Instagram.”
6. Fazer com que ele aceite premissas pequenas — e depois usar isso contra ele
➡️ Exemplo: “Você concorda que todos erram, certo? Então por que está cobrando ética do político X?”
7. Distorcer a lógica do argumento para parecer que ganhou
➡️ Exemplo: “Se a atualização tivesse sido ruim, as pessoas teriam reclamado. Não tem reclamação registrada, então deu certo.”
8. Tirar conclusões erradas de forma proposital
➡️ Exemplo: “Ah, você é vegetariano? Então odeia churrasco e quer que todos parem de comer carne?”
9. Usar argumentos que impressionam emocionalmente, mesmo que sejam falsos
➡️ Exemplo: “Se a gente não acabar com a corrupção agora, nunca mais vamos ter futuro.”
10. Dizer que você venceu, mesmo que não tenha vencido
➡️ Exemplo: “Tá vendo? Você ficou sem resposta! Já pode pedir desculpas.”
11. Tornar o argumento pessoal (ataque ad hominem)
➡️ Exemplo: “Você só pensa assim porque é mimado e nunca trabalhou de verdade.”
12. Exagerar a resposta do outro e ridicularizar
➡️ Exemplo: “Nossa, que dramático. Só falei que não gostei da série, não que você é burro.”
13. Levá-lo a se contradizer com exemplos maliciosos
➡️ Exemplo: “Você disse que odeia desigualdade, mas compra na Shein?”
14. Forçar o oponente a aceitar sua linguagem e termos
➡️ Exemplo: “Você chama de ‘invasão’, eu chamo de ‘retomada histórica’ — vamos usar o termo certo, né?”
15. Fingir que venceu ao criar confusão ou fazer o outro perder a linha
➡️ Exemplo: Ficar calmo enquanto o outro se irrita e depois dizer: “Olha como você é desequilibrado.”
16. Dizer que o argumento do outro é contraditório, mesmo que não seja
➡️ Exemplo: “Você é contra capitalismo, mas usa iPhone?”
17. Argumentar por autoridade
➡️ Exemplo: “O Steve Jobs também pensava assim. Você sabe mais que ele?”
18. Usar um argumento fraco primeiro, depois um mais forte para parecer convincente
➡️ Exemplo: “Nem todo mundo gosta disso. E mais: está provado cientificamente que faz mal.”
19. Falar coisas difíceis, para parecer mais inteligente
➡️ Exemplo: “Na verdade, se você entendesse de sociologia de verdade, veria que esse é um caso de alienação estrutural.”
20. Usar uma analogia bonita, mesmo que não faça sentido
➡️ Exemplo: “Investir em cripto é como plantar uma árvore em solo fértil. Não tem como dar errado.”
21. Inventar que algo é “óbvio” ou “natural” para validar
➡️ Exemplo: “Cara, é lógico que homem tem que pagar o primeiro encontro. Sempre foi assim.”
22. Tirar do contexto uma frase dita anteriormente
➡️ Exemplo: “Você falou que ‘gosta de controle’, então é autoritário.”
23. Interromper, mudar de assunto ou desviar
➡️ Exemplo: “Ah, mas e o governo anterior? Vamos falar disso!”
24. Usar o argumento da maioria (ad populum)
➡️ Exemplo: “Se tanta gente acredita nisso, não pode estar errado.”
25. Fazer uma pergunta impossível para desestabilizar
➡️ Exemplo: “Me diga então: qual é o nome completo do autor que você está citando?”
26. Dizer que o outro tem segundas intenções
➡️ Exemplo: “Você só está dizendo isso porque quer likes.”
27. Fingir que não entendeu o argumento do outro
➡️ Exemplo: “Não entendi… então você acha que todo mundo devia sair roubando?”
28. Repetir seu ponto várias vezes para parecer mais forte
➡️ Exemplo: “Mas é isso. É isso. É isso. Você que não quer entender.”
29. Apelar para emoção e não para a lógica
➡️ Exemplo: “Você já parou pra pensar nas mães que choram por causa disso?”
30. Usar ironia ou sarcasmo para deslegitimar o outro
➡️ Exemplo: “Nossa, parabéns, gênio. Descobriu o óbvio.”
31. Sugerir que o outro está sendo influenciado sem saber
➡️ Exemplo: “Você só pensa assim porque caiu na bolha da mídia.”
32. Acusar o outro de algo que ele não pode provar que não fez
➡️ Exemplo: “Você está tentando manipular a conversa agora, né?”
33. Exagerar as consequências do argumento do outro
➡️ Exemplo: “Se seguir o que você está dizendo, o país vai virar um caos.”
34. Trocar uma questão difícil por uma mais fácil — e vencer essa
➡️ Exemplo: Em vez de discutir a desigualdade, mudar o foco para “falta de educação em casa”.
35. Usar a fala do outro contra ele mesmo, mesmo que fora de contexto
➡️ Exemplo: “Você falou que ‘nada faz sentido’. Então por que está discutindo?”
36. Forçar o outro a parecer incoerente com base em escolhas pessoais
➡️ Exemplo: “Você fala de sustentabilidade, mas usa carro a gasolina?”
37. Fazer parecer que a contradição do outro invalida tudo que ele diz
➡️ Exemplo: “Ah, então você já mentiu uma vez. Não dá pra confiar em nada do que diz.”
38. Usar o silêncio do outro como sinal de vitória
➡️ Exemplo: “Ficou sem argumentos, né? Já ganhei essa discussão.”
Além dos estratagemas de Schopenhauer, outro autor que explorou e apresentou falácias argumentativas e como elas acontecem na nossa vida cotidiana foi Ali Almossawi.
As falácias de Ali Almossawi e como elas aparecem no design
Ali Almossawi organizou 19 falácias clássicas da lógica em sua obra Maus Argumentos.
O mérito do Almossawi está em sistematizar essas falácias de forma visual, simples e educativa.
É um bom complemento para o olhar mais cínico (e realista) de Schopenhauer.
Abaixo, as falácias apresentadas por Almossawi com exemplos atuais e especificamente para a área de design:










1. Argumento a partir das consequências – Dizer que algo é verdadeiro ou falso com base em suas consequências desejadas ou temidas.
➡️ Exemplo: “Se a gente admitir que o produto tem problemas, os investidores vão sair.”
2. Espantalho –Distorcer o argumento do outro para facilitar o ataque.
➡️ Exemplo: “Ah, você quer fazer pesquisa? Então você quer atrasar o projeto inteiro.”
3. Apelo a uma autoridade irrelevante – Usar autoridade sem relação real com o tema.
➡️ Exemplo: “A influencer que eu sigo disse que essa cor não funciona mais.”
4. Equívoco (ambiguidade lexical) –Usar palavras com significados ambíguos para confundir.
➡️ Exemplo: “Claro que a solução tem valor, ela custou caro.”
5. Falso dilema –Apresentar duas opções como únicas, ignorando outras possibilidades.
➡️ Exemplo: “Ou você defende o design atual, ou quer destruir todo o branding.”
6. Causa questionável –Assumir causa onde há só correlação.
➡️ Exemplo: “Eu acho que as vendas caíram porque trocamos a cor do botão.”
7. Apelo ao medo –Usar ameaça ou pânico para persuadir.
➡️ Exemplo: “Se a gente mudar isso, podemos ser demitidos.”
8. Generalização precipitada –Tirar conclusões com base em poucos casos.
➡️ Exemplo: “O usuário que entrevistei não gostou, então nenhum usuário vai gostar.”
9. Apelo à ignorância –Não há provas contra, então é verdade.
➡️ Exemplo: “Ninguém provou que esse fluxo é ruim, então deve ser bom.”
10. Nenhum escocês de verdade –Redefinir termos para proteger sua posição.
➡️ Exemplo: “Nenhum designer de verdade usaria esse tipo de fonte.”
11. Falácia genética –Julgar uma ideia pela sua origem, não por seu conteúdo.
➡️ Exemplo: “Essa ideia veio da equipe de marketing, então é ruim.”
12. Culpa por associação – Associar uma ideia a algo ou alguém negativo.
➡️ Exemplo: “Essa abordagem foi usada por uma startup que faliu.”
13. Afirmação do consequente –Erro lógico formal: “Se A, então B. B aconteceu, logo A.”
➡️ Exemplo: “Se nosso produto fosse bom, venderia bem. Como vendeu bem, ele é bom.”
14. Bola de neve (slippery slope) –Dizer que uma pequena ação levará ao caos.
➡️ Exemplo: “Se mudarmos esse layout, daqui a pouco ninguém mais vai reconhecer a marca.”
15. Apelo à popularidade – Todo mundo acredita nisso, logo é verdade.
➡️ Exemplo: “Todos os concorrentes estão fazendo assim.”
16. Ad hominem –Atacar a pessoa, não o argumento.
➡️ Exemplo: “Essa proposta não vale porque foi feita por alguém sem formação acadêmica.”
17. Raciocínio circular – A conclusão depende da própria premissa.
➡️ Exemplo: “Esse design é bom porque funciona. E funciona porque é bom.”
18. Composição – Assumir que o que vale para a parte vale para o todo (ou vice-versa).
➡️ Exemplo: “Todos os componentes estão bons, então a interface como um todo é boa.”
19. Divisão – O que é verdadeiro para o todo também é verdadeiro para cada parte individual.
➡️ Exemplo: “O app é fácil de usar, então todas as interfaces do fluxo também são.”
Então, a pergunta final que fica é: você quer parecer certo ou estar certo?
Porque em muitas salas de decisão, o que triunfa não é a melhor proposta, mas quem melhor domina os estratagemas.
Entender dialética é essencial para quem trabalha com design, comunicação e liderança.
Afinal, se a gente quer realmente criar experiências melhores, precisa saber identificar quando estamos buscando a verdade… ou só tentando vencer.
Citações selecionadas Almossawi – Maus argumentos
Argumento a partir das consequências
“A falácia do argumento a partir das consequências pode ser reconhecida como uma pista falsa ou manobra de distração, porque sutilmente desvia a discussão da proposição original – neste caso, em direção ao resultado e não ao mérito da proposta em si.” (ALMOSSAWI, 2017).
O espantalho
“A falácia do espantalho consiste em apresentar de forma caricata o argumento da outra pessoa, com objetivo de atacar essa falsa ideia em vez do argumento em si. Deturpar, citar de maneira incorreta, desconstruir e simplificar demais o ponto de vista do adversário são formas de cometer essa falácia. Em geral, o argumento do espantalho é mais absurdo que o argumento real, facilitando o ataque. Além disso, acaba levando o oponente a perder tempo defendendo-se da interpretação ridícula de seu argumento, em vez de sustentar sua posição original.” (ALMOSSAWI, 2017).
“Deturpar a ideia é muito mais fácil do que refutar suas evidências.” (ALMOSSAWI, 2017).
Apelo a uma autoridade irrelevante
“Embasar um argumento na opinião de uma autoridade é um apelo à modéstia das pessoas, ao senso de quem sempre haverá outros com maior conhecimento do que nós (Engel) – o que pode até ser verdade, mas nem sempre.” (ALMOSSAWI, 2017).
Equívoco
“A falácia do equívoco (também chamada de equivocação) explora a ambiguidade da linguagem, alterando o sentido de uma mesma palavra durante o argumento e usando esses significados diferentes para sustentar uma conclusão infundada.” (ALMOSSAWI, 2017).
Falso dilema
“O falso dilema é um argumento que apresenta apenas duas categorias possíveis e parte do princípio de que tudo no âmbito da discussão deva pertencer somente a uma ou a outra destas possibilidades opostas.” (ALMOSSAWI, 2017).
Causa questionável
“Também conhecida como causa falsa, esta falácia define como causa de um evento, sem provas, uma ocorrência anterior ou simultânea àquele evento.” (ALMOSSAWI, 2017).
Apela ao medo
“Esta falácia aposta no medo do público, criando a ameaça de um futuro assustador caso uma determinada proposta seja escolhida. Em vez de oferecer provas concretas de que essa proposta levaria mesmo a tal cenário sombrio, esse tipo de argumento é baseado apenas em retórica, ameaças ou mentiras descaradas.” (ALMOSSAWI, 2017).
Generalização precipitada
“Esta falácia é cometida quando alguém tira uma conclusão a partir de uma amostra pequena ou específica demais para ser representativa.” (ALMOSSAWI, 2017).
Apelo à ignorância
“Esse tipo de argumento tenta convencer que algo é verdadeiro simplesmente porque não foi comprovado como falso.” (ALMOSSAWI, 2017).
Nenhum escocês de verdade
“Este argumento costuma aparecer quando alguém faz uma generalização sobre um determinado grupo e depois é desafiado com evidências que o desmentem. Em vez de reavaliar sua posição ou contestar a evidência, a pessoa foge do desafio redefinindo arbitrariamente o critério para se pertencer àquele grupo.” (ALMOSSAWI, 2017).
Falácia genética
“A falácia genética é cometida quando um argumento é desvalorizado ou defendido somente por causa de suas origens. Em vez de examinar a validade da proposta, ataca-se a sua origem histórica, ou a origem da pessoa que a defende.” (ALMOSSAWI, 2017).
Culpa por associação
“Culpar por associação é desacreditar uma ideia ao associá-la a algum indivíduo ou grupo malvisto em determinados setores.” (ALMOSSAWI, 2017).
Afirmação do consequente
“Um dos vários argumentos formais válidos é conhecido como modus ponens (modo de afirmar), que tem a seguinte fórmula: Se A, então C. A, portanto C.” (ALMOSSAWI, 2017).
Apelo à hipocrisia
“Também conhecida por seu nome em latim, tu quoque (você também), esta falácia ocorre quando se aponta uma suposta contradição entre o argumento da pessoa e suas ações ou afirmações anteriores (Engel). Portanto, ao rebater uma acusação, o objetivo é desviar a atenção do mérito do argumento e colocá-la na pessoa que expressou aquela ideia.” (ALMOSSAWI, 2017).
Bola de neve
“A falácia da bola de neve tenta desacreditar uma proposta argumentando que sua aceitação levará inevitavelmente a uma sequência de eventos indesejáveis.” (ALMOSSAWI, 2017).
Apelo à popularidade
“Também conhecido como apelo ao povo, este argumento utiliza o fato de muitas pessoas (ou até mesmo a maioria delas) acreditarem em algo como se fosse prova de que a ideia é verdadeira.” (ALMOSSAWI, 2017).
Ad hominem
“O argumento ad hominem (do latim “ao homem”) ataca a pessoa, em vez da opinião que ela está dando, com a intenção de desviar a discussão e desacreditar a proposta desse oponente.” (ALMOSSAWI, 2017).
Raciocínio circular
“O raciocínio circular é um dos quatro tipos de argumentos falaciosos conhecidos como petição de princípio (Damer), em que a conclusão é tomada, implícita ou explicitamente, em uma ou mais das premissas […] O argumento está simplesmente afirmando que “por causa de x, portanto x”, o que não significa nada.” (ALMOSSAWI, 2017).
Composição e divisão
“Uma pessoa comete a falácia da composição ao inferir que, como as partes de um todo têm um determinado atributo, então o todo também deve ter aquele mesmo atributo.” (ALMOSSAWI, 2017).
“Na falácia da divisão, acontece o inverso. É cometida quando se infere que as partes devem ter um atributo que pertence ao todo.” (ALMOSSAWI, 2017).
Referências
ALMOSSAWI, Ali. Maus argumentos: um guia ilustrado para evitar raciocínios falhos. São Paulo: Martins Fontes, 2017.
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ter razão: 38 estratagemas para vencer um debate sem precisar ter razão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.