O sacrifício de Rui: Perdido na floresta – Conto

O sacrifício de Rui é um conto de terror sobre um jovem perseguido por um estranho ser com objetivos misteriosos.

O sacrifício de Rui: A fuga

O coração acelerado do jovem Rui o fazia sentir todo o peso do medo que o cercava.

Perdido no meio da floresta, via a luz se esvaecer anunciando a noite que vinha.

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Sons de animais estranhos se misturavam ao vento gelado que uivava fortemente ao correr livre entre as árvores.

Encostado em uma enorme pedra coberta de terra e musgo, o jovem ruivo como as labaredas de uma fogueira, tremulou ao sentir o ferimento em sua perna esquerda arder mais uma vez.

Um sangue seco no alto da coxa ferida fazia o tecido de uma calça jeans já surrada grudar na pele, mas a ardência impedia o jovem de tentar mexer na região.

Em total silêncio, só quebrado por sua respiração ofegante, Rui tentou ouvir se seu perseguidor estava próximo.

Não ouvindo nada que denunciasse seu inimigo, sentou-se sobre o chão úmido sentindo também o peito arder enquanto buscava oxigênio para alimentar o corpo fraco e cansado.

Gotas minúsculas de uma garoa fina começaram a cair, deixando o clima ainda mais gelado e fazendo da noite que caia a única testemunha daquele jovem solitário.

Por breves instantes, um silêncio calmo se instalou, fazendo o barulho de um rio distante se sobressair.

A esperança de viver e a garganta seca de um corpo sedento reacendeu o pouco da energia daquele corpo esgotado.

Rui se levantou e, mancando, andou o mais rápido que conseguiu em direção ao som.

Por favor, que eu encontre a água logo

Clamou em sua mente, fazendo daquilo um mantra que o ajudava a continuar na caminhada.

O barulho da água aumentava alimentando uma esperança que crescia em resposta a cada aumento sonoro percebido.

A boca seca tentou salivar, mas já desidratada apenas criou um gole seco de esperança que o jovem engoliu enquanto lutava para respirar.

Mais uma árvore se passou, mais um galho retirado do caminho e a umidade crescia.

A chuva fina não parava, deixando as roupas do jovem ainda mais pesadas, além de gelar seu corpo maltratado.

Finalmente ele avistou o rio.

Sereno e calmo, correndo firme em direção ao mar em ondas suaves, o rio prenunciava um gole de água fresca.

Rui se encostou em uma árvore, respirando aliviado por aquele pequeno milagre que acontecia.

Por um segundo se permitiu admirar o maior tesouro de sua vida, água fresca e corrente para saciar uma sede voraz.

Deu, então, o primeiro passo em direção a água.

Naquele exato momento sentiu uma forte pressão na cabeça, como um choque rápido e profundo, um pouco acima da nuca.

O gosto ferroso de sangue tomou sua boca fazendo um cuspe instantâneo jogar o liquido avermelhado para fora.

Sua consciência se desfez em poucos segundos, o levando a um desmaio quase instantâneo.

O sacrifício de Rui: Ele

O som da chuva fina caindo contra uma superfície de plástico foi a primeira coisa que Rui ouviu.

Uma luz amarelada e turva próxima parecia denunciar uma fogueira que, apesar de presente, não lhe aquecia, apenas iluminava o ambiente.

Uma forte pontada na cabeça deu a dica para sua consciência recém restaurada de que o jovem foi alvejado por uma forte pancada na região craniana.

Sentado num chão frio, se deu conta que suas duas mãos estavam amarradas às suas costas por uma corda rígida que lhe feria a pele dos pulsos e o antebraço.

Um enjoo criado pela fome e pelo gosto ainda presente do sangue, reclamava em seu estômago.

Rui virou vagarosamente a cabeça na esperança de acordar daquilo que considerava um pesadelo, mas sua mente apenas ficava mais consciente de sua situação.

O som de metais batendo um contra o outro começou a ficar mais claro, como se duas laminas se esfregassem na busca de ficarem mais afiadas.

Um sussurro cantarolava uma música de crianças com uma tranquilidade assustadora.

Rui não via esse alguém que cantarolava, mas sentia sua presença.

Sentia que ele estava mais longe, perto da fogueira.

De onde estava o jovem ruivo podia ver a sombra deste alguém ser projetada pelo chão em silhuetas sinuosas que se moviam em resposta a dança das labaredas da fogueira.

Rui sentiu que estava encostado em uma pedra lisa e mais limpa que a anterior e foi percebendo gradativamente estar dentro de uma pequena caverna usada com certa periodicidade.

Ao olhar para frente viu a saída da caverna e próxima a ela uma lona vermelho-sangue estendida cuidadosamente sobre o chão, recebendo a chuva fina que ainda caia.

Sua mente evitou os pensamentos que lhe sugeriam que aquela lona serviria para carregar seu corpo sem vida.

Ao ouvir um barulho indicando que a figura próxima se movimentou, seu coração disparou mais uma vez.

Rui não sabia se fingia continuar desmaiado ou tentava negociar sua vida.

Assustado, fechou os olhos e esperou que o pior acontecesse.

Uma respiração forte foi chegando mais perto, o calor de um corpo vivo foi cada vez mais perceptível.

Mesmo sem ver, Rui sentiu alguém se agachar perto dele e observá-lo atentamente.

Uma mão de pele grossa e áspera segurou seu queixo com violência, o forçando a formar um bico esquisito com seus lábios.

Segundos depois, Rui sentiu uma enorme quantidade de água ser jogada sem nenhum cuidado sobre seu rosto.

Engoliu parte da água que, não parando de vir, gerou um engasgo que o fez começar a tossir.

Só então seu rosto foi liberado da prisão daquela mão enorme fazendo finalmente Rui abrir seus olhos.

Diante dele uma visão já conhecida o observava com uma curiosidade quase infantil.

O homem a sua frente estava agachado e mesmo assim era facilmente observável um corpo forte como poucos que, em pé, alcançaria facilmente dois metros de altura.

Com braços mais grossos que as coxas do jovem Rui, ele se apresentava usando apenas um pequeno short vermelho, apertado contra seu corpo titânico e uma touca vermelha com uma ponta em triângulo.

Sua pele escura como a noite, reluzia o brilho da fogueira e seus olhos cor de avelã o olhavam com calma.

Sem expressar nenhum sentimento, apenas observava a cena de forma lúcida, causando desconforto ao jovem assustado a sua frente.

Em um salto abrupto, o homem se levantou deixando claro a falta de sua perna esquerda.

Alto, forte e seminu, ainda provocava no cansado Rui o mesmo desejo intenso e sexual de quando o vira pela primeira vez e que, inclusive, o fez cair naquela armadilha.

O homem riu alto em deboche e mexeu em seu sexo farto facilmente visível sobre o tecido fino do short vermelho.

Rui olhou para o chão envergonhado.

Em um movimento rápido e certeiro, o homem lançou uma lâmina limpa e prateada contra a perna esquerda do jovem.

A dor dilacerante o fez gritar em um urro que nasceu mudo e só depois ganhou força para emitir algum som.

Tamanha dor tirou novamente a consciência do jovem.

O sacrifício de Rui: O fim

Rui abriu novamente os olhos percebendo ainda estar na caverna.

Suas mãos estavam livres.

Panos velhos e ensanguentados foram amarrados no pequeno pedaço que sobrara de sua perna.

Rui então olhou para frente e viu o gigante homem alegremente terminando alguma atividade.

Pouco a pouco sua mente entendeu do que se tratava a tal atividade.

Rui viu sua perna esquerda ser costurada primorosamente a um conjunto de pernas masculinas, de diversas cores, tamanhos, com pelos e sem pelos, quebradas e posicionadas de forma esmerada.

Criavam, juntas, uma gigantesca e grossa perna esquerda com mais de dois metros de altura e tão grossa quanto o corpo do homem a sua frente.

Ao terminar, o homem virou para Rui gargalhando alto e satisfeito em um largo e branco sorriso.

Levantou um cachimbo e pitou com tranquilidade criando uma forte fumaça branca ao seu redor.

Logo em seguida, em um movimento rápido, desapareceu em um redemoinho de vento levando consigo a terrível e assustadora perna de pedaços humanos.

Enojado com a figura que ainda ecoava em sua mente, Rui desmaiou novamente.

Um cheiro ardido de limpeza fez o jovem ruivo acordar de seu derradeiro desmaio.

Estava agora em uma maca limpa e branca.

Levantou o lençol assustado, na esperança de tudo ter sido um sonho, mas percebeu que estava sem sua perna esquerda.

Uma jovem loira entrou animada no quarto e alegremente beijou Rui no rosto.

Como está meu noivinho do coração?

Disse em voz aguda e pedante.

Rui balançou a cabeça em afirmação dizendo estar bem.

Perguntaram-lhe muitas vezes o que ocorreu e ele mentiu todas as vezes.

Contou que ele mesmo tinha arrancado a perna com bravura ao perceber ser essa sua única salvação e que, astutamente, colocou a lona vermelha à porta da caverna para ser encontrado pelas equipes de busca.

Nunca falou do homem negro ou de qualquer outro aspecto de sua experiência.

Sabia que isso nunca seria aceito por sua comunidade religiosa e talvez nem pelos seus médicos.

Meses depois, retornando para suas atividades de pastor, enquanto tentava falar como sempre contra os pecaminosos homossexuais e seus desejos pelo sexo farto de outros homens, sentiu sua perna arder e o estômago revirar em enjoo.

Assustado, se silenciou por um segundo e depois pediu para se retirar por não estar bem.

Dizem que desde daquele dia, nunca mais se ouviu Rui falar sobre os pecados da homossexualidade.

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