O Mundo Codificado: por uma filosofia do design e da comunicação de Vilém Flusser explora diversos temas sobre a atividade do design.
Uma obra indispensável para a construção e o fundamento do pensamento filosófico do design, indo para muito além da atividade e das metodologias em si para uma leitura onde a atividade e suas características são desafiadas, reposicionadas e exploradas de maneira inovadora e provocante.
Citações selecionadas de Mundo Codificado de Vilém Flusser
“Do ponto de vista etimológico, portanto, a manufatura corresponde ao sentido estrito do termo in + formação (literalmente, o processo de dar forma a algo). No sentido amplo, fabricar é informar. Daí deriva o sentido, menos usual, de “fabricar” como inventar ou engendrar ideias ou versões, como na frase “fabricar um álibi”” (CARDOSO apud FLUSSER, 2010, p. 12).
“Todo objeto manufaturado, por sua vez, tem como meta transformar as relações do usuário com seu entorno de modo a tirar dele algum proveito. Ao concretizar uma possibilidade de uso, o artefato se faz modelo e informação. Por exemplo, depois que se vê uma alavanca em operação e se compreende o princípio empregado, não é mais possível olhar para qualquer vara de madeira ou metal sem reconhecer seu potencial de aplicação à mesma finalidade. O que antes era um simples pedaço de pau adquire uma função e um significado específicos pela existência prévia de um conceito. Ou seja, informar também é fabricar” (CARDOSO apud FLUSSER, 2010, p. 23).
“Hylé [termo grego para a madeira estocada nas oficinas dos carpinteiros], portanto, significa algo amorfo. A ideia fundamental aqui é a seguinte: o mundo dos fenômenos, tal como o percebemos com os nossos sentidos, é uma geleia amorfa, e atrás desses fenômenos encontram-se as formas eternas, imutáveis, que podemos perceber graças à perspectiva suprassensível da teoria” (FLUSSER, 2010, p. 23).
“[Traduzindo matéria como estofo ou ainda como recheio, em francês farce – farsa – se percebe que] o mundo “do estofo” (stoffliche Welt) só se realiza ao se tornar preenchimento de algo [logo entendemos] “matéria” como um preenchimento transitório de formas atemporais” (FLUSSER, 2010, p. 24).
“A ideia básica é esta: se vejo alguma coisa, uma mesa, por exemplo, o que vejo é a madeira em forma de mesa. É verdade que essa madeira é dura (eu tropeço nela), mas sei que perecerá (será queimada e decomposta em cinzas amorfas). Apesar disso, a forma “mesa” é eterna, pois posso imaginá-la quando e onde eu estivar (posso coloca-la ante minha visada teórica). Por isso a forma “mesa” é real e o conteúdo “mesa” (madeira) é apenas aparente” (FLUSSER, 2010, p. 26).
“[…] os carpinteiros não apenas informam a madeira (quando impõe a forma de mesa), mas também deformam a ideia de mesa (quando a distorcem na madeira). A fatalidade consiste também na impossibilidade de se fazer uma mesa ideal” (FLUSSER, 2010, p. 26).
“A questão já não é mais voltada para o que é real, mas sim para o que é conveniente; e então se verifica que não se pode simplesmente aplicar formas convenientes aos fenômenos […] a não ser aquelas mais convenientes que harmonizem com eles. Em suma: as formas não são descobertas nem invenções, não são ideias platônicas nem ficções; são recipientes construídos especialmente para os fenômenos (“modelos”). E a ciência teórica não é nem “verdadeira” nem “fictícia”, mas sim “formal” (projeta modelos)” (FLUSSER, 2010, p. 28).
“O design, como todas as expressões culturais, mostra que a matéria não aparece (é inaparente), a não ser que seja informada, e assim, uma vez informada, começa a se manifestar (a tornar-se fenômeno). A matéria no design, como qualquer outro aspecto cultural, é o modo como as formas aparecem” (FLUSSER, 2010, p. 28).
“[…] duas maneiras distintas de projetar: a material e a formal. A material resulta em representações (por exemplo, as pinturas de animais nas paredes das cavernas). A formal, por sua vez, produz modelos (por exemplo, os projetos de canais de irrigação nas tábuas mesopotâmicas). A maneira material de ver enfatiza aquilo que aparece na forma; a maneira formal realça a forma daquilo que aparece” (FLUSSER, 2010, p. 29).
“Antes, o objetivo era formalizar o mundo existente; hoje o objetivo é realizar as formas projetadas para criar mundos alternativos. Isso é o que se entende por “cultura imaterial”, mas deveria na verdade se chamar “cultura materializadora”” (FLUSSER, 2010, p. 31).
“O que se debate aqui é o conceito de informar, que significa impor formas à matéria” (FLUSSER, 2010, p. 31).
“Seja qual for o significado da palavra “material”, só não pode exprimir o oposto de “imaterialidade”. Pois a “imaterialidade”, ou, no sentido estrito, a forma, é precisamente aquilo que faz o material aparecer. A aparência do material é a forma” (FLUSSER, 2010, p. 32).
Referências
FLUSSER, Vilém. O Mundo Codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2010.