A história LGBT Brasil passa por muitas lutas. A verdade é que a diversidade sexual e sua luta sempre existiu, como veremos nesses 3 momentos marcantes.
Mesmo que certos movimentos tentem defender um crescimento ou uma fenomenologia recente, é sabido que essa causa é antiga e vem sendo moldada há anos.
Talvez a grande questão que passamos como sociedade é que nossos corpos e nossos gêneros sempre foram utilizados para limitar nossos papeis, funções, responsabilidades e liberdades.
Portanto, quando o conceito de sexualidade conservadora entra em choque e provoca respectivamente a desconstrução do gênero binário, também entram em choque certos preceitos e comportamentos considerados corretos para alguns e não aceitáveis para outros.
Se perde inclusive a soberania de determinado gênero sobre o outro, algo defendido por certos movimentos religiosos e culturas conservadoras.
A luta pela igualdade feminina, por exemplo, foi um grande estopim para essa discussão de papeis e gêneros, algo que se intensificou com o passar do tempo, principalmente ao relembrarmos que o conceito de gênero é um artifício cultural criado e alimentado pelas percepções da sociedade.
Isso coloca em xeque o papel estabelecido por uma cultura restritiva e nos obriga a questionar e escolher como agir e o que fazer, independente das nossas genitálias.
Assim, gênero e sexualidade caminham juntos desafiando em coro o estabelecido dentro de culturas conservadoras. Afinal, não só o gênero é um espectro imaginário da raça humana, portanto maleável tanto quanto quisermos, como também a sexualidade pode ser tão diversa quanto o número de pessoas existentes.
Mas, apesar de parecer um mundo ideal, essa liberdade pode assustar. Não ter papeis definidos e ainda perder certos privilégios recebidos de graça, incomoda muita gente.
Desta maneira, esse terrível medo da transformação poderosa que a liberdade para nossos corpos e gêneros pode causar motivou uma verdadeira caçada histórica contra populações que questionaram esses ideais.
Mesmo não sendo o único motivo, mas tendo em seu cerne esse sentimento de fobia – seja do desconhecido, de perder o estabelecido, de perder privilégios e até de não saber mais como existir – as ações violentas foram difundidas no mundo todo para tentar impedir a libertação dos nossos corpos (e talvez de nossas almas).
No Brasil, por exemplo, até 1830 a homossexualidade era criminalizada e sua existência refutada e perseguida por discursos médicos, religiosos e legais sempre em busca de estigmatizar essa população e justificar ações para erradicá-las, esterilizá-las ou escondê-las dos olhos das “pessoas conformes”.
Mesmo assim, sempre tivemos movimentos fortes de luta pela existência e resistência da população LGBT+.
Acontecimentos como a revolta de Stonewall-Inn (1969), o levante no Ferro`s Bar no Brasil – realizado por um grupo de lésbicas em 1983 –, ou mesmo as Paradas do Orgulho LGBT+ que acontecem no mundo inteiro são exemplos de ações que foram e ainda são realizadas para conscientizar o mundo de que as pessoas são diferentes em suas sexualidades ou na forma como querem lidar com os gêneros e cada um deve ser respeitado independente disso.
História LGBT Brasil: O movimento
Além do levante no Ferro`s Bar e outros acontecimentos mais conhecidos, temos poucos registros históricos sobre a luta e resistência da população LGBT+.
Contudo, alguns estudiosos conseguiram reunir e organizar informações relevantes que podem ser acessadas atualmente com maior facilidade.
João Silvério Trevisan, por exemplo, reuniu uma grande parte da história LGBT+ do nosso país na obra “Devassos no Paraíso: A homossexualidade no Brasil, da colônia a atualidade”.
Já o professor doutor Renan Quinalha reuniu dados e informações nas obras “Ditadura e homossexualidade: Repressão, Resistência e a Busca da Verdade” e “História do Movimento LGBT no Brasil”.
Como uma visão geral, o professor doutor Renan Quinalha apresentou recentemente em um curso na cidade de São Paulo um pouco desse conteúdo.
Nele o movimento de luta LGBT+ foi apresentado em três grandes ondas, apresentadas sumariamente a seguir.
A primeira onda – Levante contra a ditadura
Nesse momento o movimento homossexual é revolucionário e tem seu maior apelo na luta contra a ditatura e em um sentimento antiautoritário.
É um momento de dualidade entre a politização geral versus o desenvolvimento de guetos e lutas segmentadas.
Um dos grandes expoentes nesse período foi o Jornal Lampião da Esquina e haviam mais de 23 grupos de luta LGBT+ no eixo Rio-São Paulo, como o Grupo SOMOS e o Grupo Lésbico-feminista.
A segunda onda – Orientação sexual (não opção) e o surgimento do HIV
Acontece a diminuição dos grupos de luta e aparece a HIV-AIDS atribuída à população LGBT+.
O movimento ganha um caráter menos ideológico com lideranças mais carismáticas e formalizadas como instituições declaradas (algo impossível no período da ditadura).
Grupos como o Grupo Gay Bahia e o Triângulo Rosa surgem tendo a causa homossexual como o centro do debate e principal tema de luta.
Acontece a despatologização da homossexualidade no Brasil (1981) e acontece a Assembleia Nacional Constituinte em 1987/1988 que, apesar de não incluir declaradamente o termo sexualidade, lavrou o princípio do país em “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
A terceira onda – Pressão governamental e maior manifestações nas ruas
Se amplifica as organizações e manifestações de rua, mais encontros nacionais e específicos (para lésbicas, para transexuais, para bissexuais, etc.).
Se integra a luta as travestis e transexuais, até então não incluídas no movimento, e se amplia a participação nos grupos de defesa dos direitos humanos.
A mídia absorve e exibe a população LGBT+ e acontece a internacionalização das redes e mercados.
O movimento se organiza mais fortemente para pressionar os poderes executivo, legislativo e jurídico do país.
Mesmo com todo o avanço conseguido pelo movimento LGBT+ nas últimas décadas, é claro que ainda se tem muito o que fazer e muito pelo que lutar.
Talvez o mais importante agora é estudarmos nosso passado e termos a consciência do papel que cada um de nós tem nessa trajetória de lutas, afinal agora é a gente que está construindo o futuro para quem virá depois.
Então vale pensar que justiça e que igualdade nós queremos construir para essas pessoas que estão vindo, assim como quem veio antes de nós trabalhou muito para conquistar o que temos.
E que justiça e igualdade queremos para nós mesmos hoje e no futuro, para já começarmos a construir isso juntos.
Depois é sair e lutar, como foi no passado e como provavelmente sempre será.
*Parte desse texto foi baseado em um curso dado pelo professor doutor Renan Quinalha no Espaço Revista Cult.
Referências e dicas para leitura
Renan Quinalha. Instagram. Disponível em: <https://www.instagram.com/renan_quinalha>. Acesso no dia da postagem.
Revista Cult. Website. Disponível em: <https://www.cultloja.com.br/>. Acesso no dia da postagem.
Nosso Amor Existe. Website. Disponível em: <https://www.nossoamorexiste.com/2016/10/o-levante-ao-ferros-bar-a-historia-nao-contada-do-stonewall-brasileiro/>. Acesso no dia da postagem.
HuffPost. Website. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/2018/05/31/da-operacao-limpeza-a-cura-gay-os-40-anos-de-luta-do-movimento-lgbt-no-brasil_a_23448179/>. Acesso no dia da postagem.
Livros nacionais
A Construção da Igualdade – Edward MacRae
Ditadura e Homossexualidades: Repressão, Resistência e a Busca da Verdade – Renan Quinalha e James N. Green
Frescos Trópicos – James N. Green e Ronald Palito
História do Movimento LGBT no Brasil – Renan Quinalha, James N. Green, Marcio Caetano, Marisa Fernandes.
Homossexualidade: Da Opressão à Libertação – Hiro Okita
Homossexualidade: Sociedade, Movimentos e Lutas – Cadernos AEL
Homossexualismo em São Paulo – James N. Green e Ronaldo Trindade
Na Trilha do Arco-Íris – Júlio Assis Simões e Regina Facchini
O Homossexual Visto por entendido – Carmem Dora Guimarães
O Negócio do Michê: A Prostituição Viril – Nestor Perlongher
Passagem para o Próximo Sonho – Herbert Daniel
Que Os Outros Sejam O Normal – Leandro Colling
Travestis: Carne, Tinta e Papel – Elias Ferreira Veras
Triângulo Rosa – Jean-Luc Schwab e Rudolf Brazda
Livros internacionais
Gay Berlin – Robert Beachy
Gay New York – George Chauncey
Love and Resistance – Jason Baumann
The Lavander Scare – David K. Jhonson
Travestí – Don Kulíck