A ficção científica é uma excelente fonte de inspiração para o design e para a tecnologia, podendo nos inspirar e nos levar além.
Isso se deve por dois grandes motivos:
- A pesquisa feita para a ficção cientifica costuma ter uma boa base e traz muitas perspectivas, relativamente próximas de uma possível realidade.
- O drama que essas obras trazem também acabam por refletir um pouco do impacto que essas tecnologias podem ter na vida humana, levantando, por exemplo, questões éticas que precisam ser debatidas.
Dessa forma, ver com atenção essas obras e suas provocações pode ser um bom benchmarking para o designer ou profissional da tecnologia.
Isso tanto para as tecnologias imaginadas, para as já operacionais e mesmo para as aplicadas, se seguirmos o modelo da pirâmide da tecnologia de Koert van Mensvoort.
Se vermos, por exemplo, as interfaces e as interações digitais imaginadas para o filme Iron Man com Robert Downey Jr., já teremos boas referências nesses dois aspectos.
Mas, indo além, uma obra mais antiga como Minority Report já trazia interações usando gestos como uma boa referência nesse aspecto, por exemplo.
Outras obras já levaram essa conversa além, incluindo projeções “dentro da mente e direto nos olhos”.
Também temos a tecnologia levando pessoas para uma segunda vida em um ambiente totalmente virtual onde comandos podem ser tão naturalizados que se tornam invisíveis.
A realidade virtual – quando a tecnologia cria uma segunda vida
Duas obras interessante que trazem o conceito da tecnologia criando uma segunda vida mostram essa “ausência de comandos”.
Uma delas é estrelada por Bruce Willis e mostra um mundo de substitutos robóticos que, conectados com a mente humana, se tornam representantes com os quais vivemos a vida e interagimos uns com outros.
Nesse cenário, o corpo artificial ganha todos os benefícios de ser um robô, além de permitir que seus donos criem figuras que nem de longe lembram a si mesmos.
Seria o caso de um homem que vive em um androide feminino totalmente diferente de si, por exemplo.
Na série Além da Imaginação de 2020, temporada 2 – episódio 2, somos apresentados a outro tipo de mundo, dessa vez com a vivência 100% digital.
Também assumindo figuras configuradas ao gosto do freguês, mentes são conectadas ao mundo virtual e vivem vidas artificiais em um ambiente ultrarrealista.
Independente de quem são na realidade, ali podem ser qualquer pessoa.
E claro esse mote nem de longe é inédito, existem um sem-número de obras que trazem o mesmo conceito.
A realidade aumentada – quando a tecnologia expande as possibilidades da vida
Mas, além do cenário onde temos a tecnologia proporcionando vidas completamente novas, também temos obras que mostram a expansão da realidade.
É o caso da série The Feed, ou A Fonte, que mostra um possível mundo quando os chips literalmente entrarem em nossos cérebros.
A conexão não dependeria mais de celulares ou dispositivos físicos, mas aconteceria já na mente do usuário, que criaria comandos com gestos, com a voz ou apenas com seus pensamentos.
Imagine recuperar qualquer memória com riqueza de detalhes que só uma gravação pode fazer.
Pois isso seria possível com esses chips gravando e subindo em nuvem tudo que acontece nas nossas vidas.
A simbiose imaginada entre humano e tecnologia digital chegaria na sua essência, demonstrando uma profunda conexão entre as partes, ao invés da dicotomia humano-máquina.
Não que a separação e o luta entre humanos e máquinas não tenha sido objeto da ficção científica.
Eu, robô, por exemplo, é uma das muitas obras que explorou esse contexto em que máquinas e humanos não se misturam em uma única coisa, mas evoluem separadamente.
O complexo nesses contextos costuma ser uma luta entre as partes com uma boa bagagem filosófica sobre possíveis limites e diferenças entre o que é humano e o que é máquina.
A nuvem com dados biológicos – quando a tecnologia estende a vida
Mas para quem quer viver eternamente, ou quase isso, a ficção científica também oferece possíveis caminhos.
Subir sua memória em nuvem e assim viver no mundo digital é o tema de diversas obras como, por exemplo, Transcendente com Johnny Depp.
Batman do Futuro, na Temporada 2 Episódio 4 – Alma perdida, também trouxe essa possibilidade com um homem rico tendo sua mente preservada digitalmente.
Mas o filme O 6º Dia com Arnold Schwarzenegger foi além e misturou a possibilidade de salvar a mente digitalmente com a possibilidade de fazer download desse conteúdo depois em corpos clonados.
Assim é só continuar de onde parou de forma infinita talvez.
O inevitável ato falho – quando a tecnologia encontra o fator humano
Mas se as maravilhas da tecnologia são estruturadas nessas diversas obras e tudo parece tão promissor, onde entraria o drama?
E é nesse ponto onde talvez o olhar do designer, enquanto um representante e estudioso de pessoas e suas necessidades, desponte de forma mais relevante.
Todas as obras citadas, e muitas outras que não estão nessa lista, sempre encontram seu fatídico ponto de inflexão ao se deparar com o fator humano.
Fato é que a tecnologia é uma criação humana e por isso nasce falha por conceito base.
Humanos são falhos, não há como nossas criações não serem também.
Para evitar spoilers, não entrarei em detalhes, mas todas as obras citadas aqui tiveram sua crise basicamente pelo mesmo motivo: fator humano.
E aqui sem defesa da tecnologia por si mesma, mas o fato é que como uma ferramenta humana ela sempre acaba sendo corrompida pelos seus criadores.
Seja por vaidade, por poder, por medo, por paixão, por amor, por soberba, por orgulho, por preocupação, por autopreservação.
Assim, todas as tecnologias encontram seu ponto de inflexão justamente em características humanas.
Dores, sentimentos e necessidades humanas que de alguma forma impactam na tecnologia e as fazem falhar.
E falham tanto pela programação quanto pela intervenção e uso.
E falham eticamente, moralmente e até tecnicamente.
Aqui o ponto pode ser que a tecnologia sempre será tão boa e tão má quanto nós humanos formos bons e maus.
E como fonte de inspiração, seja na ficção ou no artigo empolgado da internet, o designer ou o profissional de tecnologia deve estar sempre atento.
Atento não só ao funcionamento da tecnologia, mas também a filosofia e a ética que podem ou precisam estar envolvidas.
Referências
Cinema e Arquitetura: “Minority Report”. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/734010/cinema-e-arquitetura-minority-report>. Acesso no dia da postagem.
Sci-Fi Interfaces. Iron Man HUD: A Breakdown. Disponível em: <https://scifiinterfaces.com/2015/07/01/iron-man-hud-a-breakdown/>. Acesso no dia da postagem.
MasterDica. Disponível em: <https://masterdica.com/filme-cheio-de-acao-com-substitutos/>. Acesso no dia da postagem.
Boca do Inferno. Além da Imaginação. Disponível em: <https://bocadoinferno.com.br/criticas/2020/12/alem-da-imaginacao-2a-temporada-2020/>. Acesso no dia da postagem.
Notícias da TV. Disponível em: <https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/series/drama-futurista-da-amazon-e-cruzamento-de-black-mirror-com-years-and-years-31455>. Acesso no dia da postagem.
Estado de Minas Cultura. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2020/01/11/interna_cultura,1113575/nascido-ha-100-anos-isaac-asimov-tem-muito-a-ensinar-ao-seculo-21.shtml>. Acesso no dia da postagem.
Just Watch. Disponível em: <https://www.justwatch.com/br/filme/transcendence>. Acesso no dia da postagem.
Rede Globo. Disponível em: <https://redeglobo.globo.com/novidades/filmes/noticia/2011/12/domingo-maior-schwarzenegger-estrela-ficcao-cientifica-o-sexto-dia.html>. Acesso no dia da postagem.