Entender arte no mundo contemporâneo pode ser complexo, já que algumas expressões se diluem em conceitos e formas abstratas.
Mas com algum conhecimento básico, a ida ao museu pode se tornar muito mais interessante, mesmo sem sermos especialistas.
Essa é a proposta desse conteúdo, termos algumas ferramentas simples para aproveitar a arte contemporânea sem precisarmos passar por um treinamento intenso.
Para começar nossa trajetória vale lembrar que a arte contemporânea, em suas muitas possibilidades, é resultado de um longo processo em que muitos artistas e movimentos provocaram, questionaram e alteraram os princípios das artes clássicas.
Isso para encontrar uma nova essência para arte e seu papel na sociedade, seja para representar nosso tempo, nossas relações ou criticar e denunciar a vida e suas complexas relações.
Como ferramenta para essa exploração vou trazer um mecanismo pessoal para análise da arte, que não busca encerrar ou limitar nenhum tipo de experiência, mas oferecer um possível caminho para quem desejar e enxergar nele uma boa utilidade.
Entender arte: Da figurativa a não-figurativa
Um ponto que foi crucial para meu olhar sobre a arte, foi enxergar uma escala da arte que parte da arte figurativa até a arte não-figurativa.
No início dessa régua vamos encontrar artes clássicas e na outra ponta expressões da arte contemporânea.
Podemos compreender os extremos dessa régua da seguinte maneira:
Arte figurativa: São manifestações artísticas que se expressam por meio da representação do mundo visível, seja a forma humana, elementos da natureza e objetos criados pela humanidade. Elas podem ser realistas ou estilizadas, desde que seja possível reconhecer o que foi representado.
Arte não-figurativa: São manifestações artísticas que se expressam por meio de formas, cores, texturas e ritmo inteiramente livres de qualquer influência do mundo visível, ou seja, não existe uma representação de objetos da realidade.
As obras podem estar mais próximas de um lado ou de outro de acordo com o que conseguirmos reconhecer.
No contemporâneo, a obra pode inclusive mesclar ambas as coisas e ficar mais ao meio, inclusive.
Por isso prefiro essa escala ao dizer que algo é mais recente ou mais antigo, por exemplo.
Para tornar isso ainda mais reconhecível, venho usando algumas características para compreender os extremos dessa régua:
Arte figurativa (realista ou estilizada):
- Simboliza a partir do que é visto: A compreensão vem a partir do que vemos e está presente na obra.
- É interpretativa em si mesma: Pode ser lida por pensamento simples ou complexo, seja para algo objetivo ou subjetivo.
- Configuração traz misticismo: Tem algo de místico e sagrado presente, mesmo em imagens ou representações do cotidiano.
- A matéria-prima é o ponto de partida: A matéria-prima é a base da obra e o artista a domina profundamente, seja ela uma tela e tinta óleo, uma peça de mármore, madeira etc.
- É totalmente intencional: Tudo presente ou ausente tem um motivo e é escolhido cuidadosamente para servir a um propósito.
Arte não figurativa (abstrata):
- Simboliza além do visto ou não simboliza nada: A compreensão está além do visto e sua construção pode não dar pistas imediatas do seu significado ou pode até não ter nenhum significado além da sua simples presença.
- É reflexiva extrapolando a si mesma: Depende do pensamento complexo para uma leitura ou interpretação, seja objetiva ou subjetiva.
- Configuração traz realidade comum: Representa o cotidiano da forma crua e simples.
- A matéria-prima é maleável no processo: A matéria-prima é secundária e está a serviço do objetivo, podendo até ser pré-fabricada ou manipulada por terceiros e não pelo próprio artista.
- É totalmente intencional: Tudo presente ou ausente tem um motivo e é escolhido cuidadosamente para servir a um propósito.
Entender arte com três leituras possíveis
Uma vez que tenhamos mais claro onde a obra está na régua figurativa, podemos compreender melhor o que esperar da obra e o que ela espera de nós.
Por exemplo, algo figurativo pode ser mais fácil de ler enquanto o não-figurativo pode ser mais complexo e até sem compromisso de significar algo.
A partir disso, podemos usar três formas para ler as obras de arte na rápida ida ao museu:
1. Leitura pela execução
Buscamos observar como é a configuração da obra.
Nesse sentido, podemos observar os elementos como equilíbrio, simetria, pesos e contrapesos, cores, luz e sombra, materiais usados etc.
No mundo do design essa leitura é bem importante, já que nos serve inclusive como inspiração.
2. Leitura pelo impacto histórico e mensagem
Buscamos observar a representação histórica da obra.
Aqui podemos observar elementos como a importância para a humanidade, sua representação de um período ou de um artista específico, a ruptura que criou, por onde passou etc.
3. Leitura pela conexão pessoal
Buscamos observar como nos conectamos com a obra.
Nesse sentido podemos observar elementos como que sentimentos e que pensamentos surgem em nós, com o que a gente se conecta, o que significa para nós etc.
Uma mesma obra pode nos acender mais de um tipo de leitura ao mesmo tempo e, mesmo fazendo essas leituras, podemos compreender que a obra em si não nos agrada (e tudo bem!).
Afinal, nem toda arte precisa nos tocar ou ser para nós uma referência.
Claro que estudar a obra e o artista antes costuma ajudar a compreendermos melhor o que vemos em exposição, mas até isso não é necessário.
Em uma ida rápida ao museu, fazer essas três leituras ou uma delas, ou duas delas, já ajuda a tirarmos um melhor proveito para nós do que vemos.
O importante é ir e ver a arte ao vivo, inclusive para criticá-la.
Afinal uma das funções da arte é provocar conversas sobre a vida e suas complexas relações, inclusive quando iniciamos dizendo o que ali não nos agrada ou não faz sentido para nós.
Só vale se manter aberto, porque numa conversa pode ser que a gente aprenda e descubra coisas incríveis que podem até mudar a forma como entendemos e vemos a arte, o mundo e as coisas nele.
Referências
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