Design e a literatura podem andar juntamente dado o caráter final do seu trabalho, essas relações inclusive podem inspirar as disciplinas.
Eu sou um apaixonado por leitura, seja a arte da gramática, da didática, da poesia e etc. Por esse motivo sempre me dediquei ao estudo e apreciação desse campo com grande entusiasmo.
Quando escolhi como minha área de formação o design digital, o fiz motivado em partes pelo desejo de construir narrativas das mais variadas formas, algo que a área me permite ao englobar composições visuais, sonoras e escritas.
Posteriormente, me dedicando mais ao campo da informação, me deparei ainda com métodos e conceitos de estreitas relações com a literatura, um desses métodos é a construção de personas e contextos de uso.
Como exemplo, apresento esse vídeo do Google Developers no qual Izabel Idris fala sobre o processo de design durante o desenvolvimento de um aplicativo (se inicia mais precisamente em 7m10s).
Izabel apresenta resumidamente três passos para o desenvolvimento das características básicas de um aplicativo:
- Pesquisa com o público-alvo
- Construção de personas
- Contexto de uso
Na primeira etapa, a pesquisa com o público-alvo, é onde se levanta todos os aspectos relevantes para compreender as frustrações, expectativas, aspirações e outras informações do público-alvo.
Em personas, construímos a personificação desse público. Vianna, Vianna Adler (et. al.) apresentam uma boa definição para esse termo:
Personas são arquétipos, personagens ficcionais, concebidos a partir da síntese de comportamentos observados entre consumidores […] Representam as motivações, desejos, expectativas e necessidades, reunindo características significativas de um grupo mais abrangente.
Já em percepção do contexto de uso é onde simulamos o momento em que a persona estará utilizando o aplicativo, assim é possível verificar interferências do ambiente, motivações de uso e outros aspectos que podem se tornar boas referências para o desenho das características do aplicativo.
Um escritor em sua jornada de trabalho pode realizar tarefas bem semelhantes na construção de narrativas. Demonstro a seguir exemplos de como essas relações podem acontecer.
A pesquisa com o público-alvo como fonte de inspiração para design e a literatura
Dificilmente um escritor faria pesquisa com seu público leitor para compor uma narrativa, e talvez isso nem seja interessante, mas a relação de pesquisa a que me refiro aqui não é com o leitor, mas com o personagem.
Ao iniciar sua estória, o escritor normalmente pesquisa um pouco os fatos e características que compõe seu personagem, por exemplo, um escritor urbano deve pelo menos pesquisar um pouco sobre a vida no campo para escrever sobre um personagem rural, garantindo maior veracidade e até mapeando possíveis conflitos que seu personagem teria.
O design também se utiliza da pesquisa com o público-alvo, mas nesse caso ela será realizada com o consumidor final. Essa pesquisa pode ocorrer no ambiente de vivência público, neste caso podemos chamá-la de pesquisa de campo, pois o pesquisador estará fora de seu ambiente de trabalho, em campo, estudando o ambiente e o comportamento do cliente.
A pesquisa também pode acontecer em um laboratório, mas isso é assunto para uma próxima postagem. O importante é que ao conversar e pesquisar sobre um público específico é possível, por exemplo, saber mais de seus desafios, aspirações e perspectivas assim a construção da persona ficará mais rica e mais precisa, garantindo, inclusive, maior probabilidade de o produto final ser usável e útil.
Também vale lembrar que construir bases para histórias ou para uso de produtos tem semelhanças muito fortes como podemos ver na estrutura proposta por Syd Field para construção de personagens e suas jornadas.
A construção de personas para o design e a literatura
Depois de realizada uma boa pesquisa (características e ambientes do personagem), o escritor parte para a construção sua personalidade.
Uma vez que dentro do mesmo ambiente (de uma família, de um grupo de amigos e etc.), existem pessoas diferentes entre si, a caracterização do personagem precisa ser mais precisa e, assim, o escritor constrói (mesmo que somente em sua mente), toda a biografia e personalidade desse personagem.
Isso vai garantir que a linguagem e reações dessa persona sejam condizentes, e a estória seja mais verídica e convincente.
No campo do design isso também é prática importante uma vez que não é possível agradar a todos com um único produto, portanto é necessário que se projete para pessoas específicas, ou seja, que se tenha em mente uma persona bem definida para aquele produto em particular.
Essa persona pode reunir características de mais de uma pessoa, mas é importante que ela tenha uma personalidade bem definida e não confusa, assim o projeto será mais condizente às suas expectativas.
Contexto de uso
Com o personagem definido, o escritor o insere em um contexto onde ele desempenhará seu papel vivenciando seu drama. Aqui tanto a pesquisa quanto a personalidade dele serão utilizadas para dar forma ao enredo.
O contexto costuma ser bem importante para a narrativa, pois é nele que se desenrolam os conflitos e as ações que serão utilizadas para construir a dramaticidade da narrativa.
As influências do contexto podem, inclusive, ditar as ações e reações dos personagens. Como exemplo imagine que o personagem está no Monte Everest e seu oxigênio acaba, isso, aliado à sua personalidade, pode ditar os acontecimentos seguintes.
É importante lembrarmos que o contexto não é só o ambiente físico, mas também a situação em que a persona se encontra, por exemplo, um personagem no carro, parado no semáforo e atrasado; atrasado, neste caso, também faz parte do contexto da persona.
Para o design isso é ainda mais relevante, pois o designer não pode, por exemplo, impor que uma nave espacial apareça e sequestre a persona, algo que é possível para o escritor.
Portanto o designer tem de resolver o problema (exemplo: avisar ao chefe sobre seu atraso), sem se utilizar do fantástico literário para isso, e é nesse momento que seu conhecimento se une à pesquisa, à persona e ao contexto para criar um produto altamente relevante para o consumidor (interator).
Esses são alguns exemplos e motivos pelos quais eu sou um grande incentivador para que as pessoas escrevam narrativas, poemas, roteiros e etc.
Dessa forma o designer exercita sua capacidade de empatia ao conhecer bem seu público-alvo (personagem), compreender sua personalidade, motivações e dificuldades e ainda propor ideias que movam o enredo para frente de alguma forma, ou ainda, que interfiram (positiva ou negativamente) no problema da persona.
Além disso, pela liberdade oferecida no campo da literatura, o designer pode ainda propor situações fantásticas o que certamente vai incentivar sua criatividade, mesmo ao desenvolver soluções reais para os problemas de seu cliente, posteriormente o que reforça essa aproximação entre design e a literatura.
Referências
VIANNA, Maurício; VIANNA, Ysmar; ADLER, Isabel K (et. al.). Design Thinking: Inovações em negócios. Disponível em: <http://livrodesignthinking.com.br/>. Acesso em 2013.
FIELD, Syd. Manual do Roteiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.