Será que aceitar convites da vida vai realmente nos fazer mais felizes? Existe no acaso ou na sequência de acontecimentos uma chave misteriosa para a plenitude?
Essa procura vem se tornando cada vez mais importante, afinal sabemos que vida costuma nos impor alegrias e tristezas muitas vezes em tamanho desigual.
Os desafios parecem se multiplicar enquanto os momentos de alegria, quando não se subtraem, no máximo se somam em doses homeopáticas e vagarosamente, quase sem vontade.
Talvez por isso a psicologia tenha se apropriado do termo da física, resiliência, e aplicado a nós, seres humanos, que cada vez mais temos que praticar essa habilidade.
O termo se refere à capacidade de lidar com as dificuldades, superando os obstáculos e adversidades, resistindo a pressão de situações adversas, sem entrar em surto psicológico, e ainda ser capaz de tomar decisões acertadas em meio a todo esse caos.
Difícil, certo? Porém é perceptível que temos desenvolvido muito dessa capacidade para lidar com os desafios da nossa vida.
Obviamente seus desdobramentos têm resultados diversos, uns bons, outros ruins, porém nesse texto vou explorar uma situação específica da vida contemporânea e da resiliência que precisamos desenvolver para lidar com ela: a solidão (surpreendente?).
Li há algum tempo um texto muito interessante de um amigo falando sobre isso e me senti tocado a ponto de compor essa reflexão.
O início dele, que segue, foi o mais marcante para mim:
“Já me falaram que não nos acostumamos com coisas ruins, como tristezas, dores ou qualquer outro tipo de sofrimento, porém tenho que discordar disso. Obviamente ninguém gosta de sofrer, mas às vezes a vida nos coloca em um ambiente que te obriga a se acostumar com o sofrimento e acabamos sorrindo no lugar de chorarmos. Conseguir isso é muito difícil e traz efeitos colaterais e um desses efeitos é o isolamento.
Ninguém gosta de ficar sozinho e eu nunca fui diferente, mas me acostumei a olhar para o lado e não ter ninguém. Não consigo ver um caminho diferente do que escolhi seguir, algumas vezes dúvidas surgem na cabeça, de como poderia ter sido tudo diferente, mas meu jeito nunca permitiria que eu tomasse decisões diferentes das que eu tomei, mesmo sabendo dos resultados, pois na verdade o resultado real de minhas ações só veio para mim há dois meses. Na verdade veio um tempo antes, mas se consolidou há dois meses.
Minha namorada, que apareceu para mim em um momento totalmente tranquilo da minha vida, um momento que não estava desesperado procurando alguém, simplesmente apareceu, a pessoa certa, e seria impossível ter outro fim” (Autor Suprimido).
Complicado dizer qualquer coisa depois dessas palavras, mas vou tentar descrever aquilo que mais me fez pensar e concordar tanto com ele.
Realmente muitas vezes o sofrimento bate à nossa porta, adentra nossa casa e se acomoda em um cômodo qualquer.
Nem sempre é possível colocá-lo para fora e assim nos acostumamos com sua presença muda e pesada, e continuamos a agir apesar dele.
Tornamo-nos, por assim dizer, resilientes diante deste sofrimento.
Aprendemos a sorrir mesmo sentindo dor e a olhar tudo com cautela e distanciamento. Podemos, com certeza, admirar a beleza, fazer piadas, brincadeiras, cantar, dançar, trabalhar, estudar etc., porém sempre com certa dose de isolamento.
E quem aplica o isolamento diariamente, aprende a praticá-lo com grande maestria e gentileza.
Impomos, assim, muros e paredes que abrigam nossa dor, mas, antes e acima de qualquer coisa, impedem que novas dores adentre nosso espaço e tomem outros cômodos da nossa “apertada” vida.
“[…] me e acostumei a olhar para o lado e não ter ninguém”
E assim vamos vivendo, sem saber o que nos espera depois da esquina, porém preparados para o pior.
Nos acostumamos a viver sozinhos, mesmo entre a multidão, e a entregar para o próximo somente aquilo que está além dos muros do nosso medo.
Esse parece ser o quadro de um mundo com pessoas cada vez mais “resilientes” (ou talvez só mais cansadas de sentir dor).
Enfrentamos nossos obstáculos, pressões e situações adversas isolando parte de nos mesmos em meio a altos muros e criamos uma vida paralela no ciberespaço, colorindo nossos perfis com filtros de aplicativos que tornam tudo mais alegre e esteticamente bonito.
Mas a vida é por si mesma caprichosa, não parece respeitar nossos muros e artifícios. O que ela quer, ela faz, nos obrigando a nos adaptar a ela, e são nesses momentos que eu acredito que a verdadeira resiliência aparece.
Podemos aprender como viver sozinhos, podemos construir os muros mais altos possíveis dentro de nossa capacidade, mas quando for a hora de coisas transformadoras acontecerem, elas virão sem restrições.
“Minha namorada, que apareceu para mim em um momento totalmente tranquilo da minha vida, um momento que não estava desesperado procurando alguém, simplesmente apareceu, a pessoa certa, e seria impossível ter outro fim”.
Com meu amigo aconteceu algo que ele não esperava: um novo amor. Com outros pode ser qualquer coisa que convide a mudar uma trajetória vigente.
A vida não é fácil de ser compreendida e tudo bem, talvez ela tenha que ser somente experimentada e vivenciada.
Eu mesmo provei minha própria dose de alegria ao receber da vida algo inesperado e gentil que me trouxe muita alegria, e tudo isso foi quando eu abri mão do que buscava e decidi somente curtir a viagem, deixar a experiência de estar vivo preencher os cômodos de minha casa-vida.
Aliás, talvez tenha sido justamente esse preenchimento que tenha se tornado tão forte que colocou o sofrimento para fora e preencheu todos os espaços com esperança.
Meishu-Sama, líder espiritual da igreja Messiânica, fala sobre esse ato de deixar as coisas fluírem, de evitarmos tentar prender tudo a nós, pois somente assim o que é seu ficará verdadeiramente ao seu lado, não por aprisionamento ou uma falsa sensação pertencimento ou apropriação, mas pelo simples prazer de se estar junto.
Ao deixar a energia da vida fluir livremente, ela retorna boas coisas para nós, então o que eu proponho é que sejamos cautelosos sim, afinal realmente não sabemos o que vamos encontrar na próxima esquina, mas que também sejamos gratos e abertos para os convites da vida e talvez quando menos esperarmos a coisa certa vai acontecer.
Talvez o importante seja aceitar os convites da vida, mesmo que o medo grite dentro de nossa casa-vida, afinal quando ele for embora as coisas tendem a ficar bem melhores e nos mais felizes.
Enquanto isso, que sejamos felizes como pudermos.