O Expressionismo Alemão foi um movimento cultural e artístico que trouxe para a arte, arquitetura, cinema e design uma linguagem baseada na transparência e na melancolia da época.
Os séculos 18 e 19 foram marcados por grandes mudanças na forma do ser humano se socializar, se expressar e mesmo produzir objetos. Cientistas e literários apresentaram pesquisas e obras que mudariam para sempre a forma como vemos nossa existência e a nós mesmos.
Atentos e influenciados pelas mudanças de sua época, os artistas exploravam, então, novas formas de representar esse novo mundo e, para tanto, romperam com a arte clássica em busca de novas técnicas e novas linguagens para se expressar.
Os impressionistas e os pós-impressionistas saíram dos estúdios e salas fechadas e foram buscar a captura de ações rápidas e momentâneas ao ar livre, também foram eles que trocaram pessoas por paisagens. Sobrepujando-os, os artistas foram além ao deformar a realidade para representar seu interior e, tomados pela proposição onírica de Freud, se utilizaram de formas abstratas para demonstrar seus sentimentos mais íntimos. Morria, então, a pura representação da realidade dando lugar para a materialização do imaginário do artista.
Essa ebulição do “novo mundo” tinha como seu centro a Europa. Na Alemanha, por exemplo, a revolução industrial trazia um enorme progresso para sociedade, mas este “impunha seu preço: se a mecanização das indústrias na Europa aumentava a produção, também deteriorava as condições de vida dos trabalhadores” (NAZÁRIO, 2002, p. 13), que perderam grande parte de seu mercado de trabalho para as novas máquinas agrícolas, indo buscar um meio de sobrevivência nas áreas urbanas.
A revolução industrial também criou a divisão de tarefas, o que diminuía a necessidade de profissionais altamente capacitados ou com muito estudo, portanto os salários eram baixos e não havia nenhuma estabilidade, uma vez que a mão-de-obra era abundante.
O resultado era uma discrepância social enorme onde o fabricante alcança lucros polpudos e a classe trabalhadora ficava cada vez mais miserável. Piorando a situação “sob a influência das teorias antropológicas, alguns socialistas passaram a associar o capitalismo às ‘raças semitas’ [chegando a propor] uma conspiração de ‘judeus capitalistas’ para dominar o continente [europeu]” (NAZÁRIO, 2002, p. 13 e 14) algo que influenciaria a ascensão ao poder por Adolf Hitler anos mais tarde.
Os artistas sentiam o sofrimento que essa discrepância provocava no homem trabalhador. Contudo havia neles a crença de que poderiam influenciar positivamente a sociedade por meio de suas obras, promovendo sua melhoria.
Os expressionistas alemães, por exemplo, eram dotados de uma
“profunda crença na ação do artista que, ‘através da transformação de si mesmo, transforma também o mundo’ [e acreditavam que o artista era] capaz de promover uma verdadeira conversão na humanidade através de sua arte” (MATTOS, 2002, p. 42).
Nessa busca, os artistas pictóricos do expressionismo alemão utilizaram o “uso extático da cor e a distorção emotiva da forma, ressaltando a projeção das experiências interiores do artista no expectador” (DENVIR, 1977 apud CÁNEPA, 2006, p. 59).
Tendo a influência de outras vanguardas, eles também aplicaram a libertação de cores, formas e desenhos utilizados pelo movimento Fauvista; as formas geométricas do Cubismo; e máscaras e obras de arte de origem africana. Contudo tiveram na obra impressionista O Grito de Edvard Munch, figura 1, uma de suas maiores influências.
Figura 1: O Grito – Edvard Munch (1893)
Dentro deste movimento é possível citar o Die Brücke (A Ponte), de 1905 até 1913, e o Der Blaue Rieter (O Cavaleiro Azul), de 1908 até aproximadamente 1914, como os maiores representantes.
O Die Brücke é também considerado o início dessa escola. Fundado em 1905 em Dresden (Alemanha), esse grupo fundamentado por Ernst Ludwig Kirchner e Karl Schmidt-Rotluff produziram obras, de acordo com Mason (2004, p.6), “[com] conteúdo emocional áspero e angustiante”, como se pode observar em Marcella de Kirchner, figura 2,
Figura 2: Marcella – Kirchner
um quadro que cria no observador uma sensação de mal-estar e de angústia [uma vez que os] contornos não intermedeiam a relação entre figura e fundo e aparecem como um complexo erótico-trágico, como se a imagem extraísse penosamente um fragmento da existência (FRANÇA, 2002, p. 127).
A presença de sentimentos nefastos nas obras do Die Brücke quebra a tradição do suave e equilibrado da representação artística de períodos anteriores e apresentam os sentimentos de cólera dos artistas contra as calamidades da sociedade e sua respectiva preocupação com o futuro que, em sua concepção, parecia ser tão sombrio que beirava um cenário apocalíptico.
Também é possível observar o desejo de quebrar as tradições artísticas antigas e aplicar novas formas e linguagem de expressão no movimento expressionista. O Der Blaue Rieter, fundado em 1908 em Munique (Alemanha), teve como um de seus fundadores Franz Marc que disse:
“Precisamos ser ousados e romper com tudo o que até agora os europeus bem-comportados como nós consideraram precioso e indispensável” (MASON, 2004, p. 18)
Com uma abordagem diferente do Die Brücke, suas obras eram menos angustiante, seu trabalho era mais espiritual sendo, também, segundo Mason (2004, p. 19), “o primeiro movimento artístico a se interessar pela arte infantil”, algo extremamente inovador para o período.
Assim sendo, suas obras possuíam uma expressão mais suave e alegre como se pode observar na obra de Marc, Destino dos Animais, figura 3, nem por isso perdendo seu peso dramático, essa obra, por exemplo, segundo Brill (2002), reflete o sentimento angustiante e tenso da sociedade da época, percebido pelos artistas, e que, inclusive, já anunciava a Primeira Grande Guerra, etapa que será apresentada a seguir.
O Destino dos Animais – Franz Marc
Avanço do Expressionismo Alemão na primeira Grande Guerra
O avanço do Expressionismo Alemão e a Primeira Grande Guerra narra como esse movimento avançou nesse período e foi ampliando suas produções.
O sentimento angustiante captado pelos artistas expressionistas não demoraria a se confirmar, pois os conflitos e o sentimento de revolta do período, e mesmo a forte associação dos judeus ao capitalismo, considerado por alguns como responsável pela discrepância entre os poderes aquisitivos, culminariam na guerra em pouco tempo.
As supostas pesquisas antropológicas sobre a soberania de certas nacionalidades sobre as outras chegou ao seu ápice e
“finalmente, em 1914, os diversos conflitos políticos gerados pela afirmação das nacionalidades desembocaram na Primeira Grande Guerra – uma conflagração ansiada por toda a Europa” (NAZÁRIO, 2002, p. 23)
Os sentimentos nacionalistas encheram os corações dos jovens e a guerra parecia ser um dever e orgulho nacional, porém sua longa duração surpreendeu os alemães, principalmente com intervenção dos Estados Unidos no combate, após uma tentativa de bloqueio dos alemães à Inglaterra. Eles “que previam uma vitória em três meses de combate, começaram a desesperar, pressionados, sobre tudo pela fome” (NAZÁRIO, 2002, p.24).
Em 1918 a Alemanha se sujeita a forças Aliadas finalizando a Primeira Grande Guerra, porém suas conseqüências seriam infaustas, pois o país sairia endividado, com menor território geográfico e com um número de soldados limitado.
A partir de então foi instaurada a República Weimar, estabelecida na cidade de Weimar, longe dos conflitos de Berlim, perdurando até que os nazistas tomassem o poder.
A República Weimar também seria angustiante para o povo alemão, pois apesar do governo tentar reestruturar o país com fortes investimentos em infraestrutura e na qualidade de seus produtos industriais, o sentimento de que a Alemanha não havia sido derrotada e que os países Aliados haviam usurpado território alemão, alimentava forças políticas extremistas as quais levariam, alguns anos mais tarde, a tomada do poder pelos nazistas sob o comando de Adolf Hitler.
Nesta fase em que a Alemanha tentava se restabelecer, e mesmo durante a guerra, os artistas expressionistas se voltaram para seu país, desenvolvendo um forte sentimento nacionalista e, se antes da guerra eles buscaram referências nas vanguardas do mundo para estabelecer uma nova linguagem estética, agora, com ela já definida, era preciso se posicionar politicamente.
As obras nesse período buscavam informar os sentimentos da nação como se ela mesma fosse um artista que precisava demonstrá-los para seus expectadores.
No período pós-primeira-guerra o movimento expressionista transcende as obras pictóricas e avança ainda mais sobre outras áreas para que o “espírito” e desejo alemão por uma sociedade mais justa, pudesse se fazer presente nos diversos segmentos da sociedade.
Isso levou ao amadurecendo das características dessa escola, que primava pela verdade do artista ao expressar sinceramente seus sentimentos por meio da utilização consciente e objetiva de formas, materiais e cores.
Na arquitetura, por exemplo, desenvolve-se uma série de acontecimentos que resultaram no nascimento da escola Bauhaus, uma das maiores influências para o design até os dias de hoje.
Apesar de o Expressionismo estar presente em obras da arquitetura mesmo antes da Primeira Grande Guerra, como, por exemplo, no Pavilhão de Vidro arquitetado por Bruno Taut, somente depois da guerra o envolvimento arquitetônico com o Expressionismo alemão se tornará totalmente coeso.
É importante observar que o vidro presente no prédio de Taut, observado na figura 1, utilizou-se de vidros, pois a transparência representava figurativamente a sinceridade, a pureza e a construção de uma nova sociedade menos materialista e mais honesta, íntegra e justa, um conceito de utopia tipicamente expressionista.
Em 1918 é fundado o grupo Novembergruppe (Grupo de Novembro) e o Arbeitsrat für Kunst (Conselho de Trabalho para a Arte), ambos com fortes ligações a posições políticas de esquerda, sendo liderados por arquitetos que formariam a escola Bauhaus, instituição que manteria estreitas relações com a poética expressionista, porém apresentaria certa dualidade ao inserir também uma forte racionalidade em sua estrutura.
Estes grupos se esforçaram para promover o conceito de arte do movimento expressionista, aplicando-o às suas diversas produções, que transcendiam a própria concepção de arte do período, como podemos observar em materiais gráficos da publicação do Novembergruppe de 1921, figura 2, e no folheto do Arbeitsrat für Kunst, figura 3.
Neste período os artistas construíram uma posição social definida aliando-se à política esquerdista, desejando transformar a arte expressionista num canal definitivo para denuncia e para interferência na sociedade alemã, que sofria os males da Primeira Grande Guerra.
Portanto podemos observar que a verdadeira beleza da arte expressionista era considerada a verdade, transparência e pureza dos sentimentos expressados, além de sua missão social mais abrangente. Isso estava acima de obras que representassem o belo alegre, feliz ou esteticamente agradável.
O cinema se apresentou então como um excelente meio para a representação utópica expressionista, uma vez que a união da mise-en-scène com a música permite composições singulares para representar e provocar sensações e sentimentos, além de poder alcançar mais as pessoas.
Declínio do Expressionismo Alemão
O declínio do Expressionismo Alemão remonta o final desse movimento artístico que até hoje influencia a arte e o design ao redor do mundo.
Dentro da indústria cinematográfica O Gabinete do Dr. Caligari (1919), de Robert Wiene, é o maior representante do Expressionismo alemão. Sua construção sombria de temática nefasta, com cenários e iluminação irreais, maquiagem e atuações exageradas compunham uma história macabra onde os personagens vivenciavam sentimentos confusos e de cólera contra a autoridade, resultando em “uma obra que realizava a proposta expressionista de traduzir visualmente conflitos emocionais” (CÁNEPA, 2006, p. 67).
Em um momento em que a indústria cinematográfica alemã buscava se diferenciar do cinema mundial, principalmente o americano, buscou-se produções artísticas de alta qualidade e a poética expressionista foi fundamental nessas produções.
Segundo Cánepa (2006), Dr. Caligari se tornou um norteador para muitas obras do cinema que viriam a seguir tais como A Morte Cansada (1921) de Fritz Lang; e Nosferatu: Uma Sinfonia do Horror (1922), de Friedrich Wilhelm Murnau, todos eles dotados das características do filme de Robert Wiene.
Porém definir claramente um estilo de cinema expressionista não é tarefa fácil uma vez que, ainda de acordo com Cánepa (2006, p. 69) “mesmo que seja possível delinear algumas estratégias visuais e narrativas em um grande número de filmes, tem-se a impressão de incompletude e generalização quanto à classificação de ‘Expressionismo’”, suas características flutuam entre composição cinematográfica (mise-en-scène), estrutura dos personagens e composição da narrativa, dos dramas e dos fatos.
Cada elemento do filme expressionista era pensado conscientemente e retirado tudo o que não tivesse um propósito, essa filosofia expressionista fica clara nas palavras de Hans Janowitz acerca do Dr. Caligari:
“Não se permitiria nada, nada mesmo, que fosse desnecessário; palavras e imagens tinham de coincidir perfeitamente. A colocação de cada palavra devia ser decidida de acordo com a importância da impressão visual que ela estava destinada a criar” (ROBISON, 2000 apud CÁNEPAGA, 2006, p. 77)
As características sombrias de luzes irreais e deformações do cenário do Expressionismo podem ser vistas nas cenas do Dr. Caligari, como na figura 1 e 2. O filme se apresenta como se um quadro do Expressionismo alemão tomasse vida e enredo, nos contando, então, mais detalhes de sua história.
A música dramática do filme lhe concede ainda mais personalidade expressionista. Sua composição apresenta uma tensão angustiante como se algo de ruim fosse acontecer a qualquer instante, nos fazendo esperar pelo momento em que tudo dá errado e as coisas se complicam definitivamente.
Essa sensação, característica nas obras artísticas expressionistas, fica ainda mais evidente musicalmente na obra do compositor Austríaco Arnold Schoenberg, que, inclusive, foi amigo de pessoal de Kandínski.
Ele próprio foi um vanguardista que buscou renovar as composições musicais desenvolvendo, em 1920, o Dodecafonismo, um sistema de relação e hierarquia entre 12 notas musicais seriadas, que seria utilizada por outros compositores como Anton Webern e Milton Babbitt.
Sua obra Fünf Orchesterstücke (Cinco Peças para Orquestra) Op 16, de 1909 é uma construção atonal, característica fortemente relacionada à música expressionista, dotada de forte tensão e angustia.
A partir de 1924 o declínio do Expressionismo Alemão ganha força com o declínio nas produções cinematográficas expressionistas e em 1925 ocorre o “enfraquecimento do movimento expressionista na Alemanha” (GUINSBURG, 2002, p. 735).
Em 1933 Adolf Hitler se torna chanceler e acaba com a República Weimar dando início ao poder nazista e em 1939 tem início a Segunda Grande Guerra. As transformações desse período iriam modificar ainda mais a consciência artística no mundo.
O Expressionismo, considerado pelos nazistas como uma arte degenerada, iria ser condenado na Alemanha de Hitler e os artistas expressionistas, no exílio, iriam reavaliar sua própria arte e criação.
Mesmo as críticas sofridas anteriormente por artistas de outros movimentos, como os Dadaístas, que acusavam o movimento de se “vender” comercialmente, perdendo sua verdade artística (que era considerado o mais importante nas obras expressionistas), colocavam o Expressionismo em um momento de autocritica.
O movimento nunca perderia sua importância e poder referencial, sendo revisitado em artigos como o do crítico Harald Rosemberg em 1952, ao avaliar os novos expressionistas e onda Neoexpressionista de 1980, com trabalhos de Rainer Fetting, Bernd Zimmer e Salomé.
É realmente notável que os expressionistas marcaram sua ousadia e qualidade de produção na história da arte e também do design, e se tornaram fonte de referência para produção, execução de projetos desde então.
Considero suas obras também motivadoras e balizadores para avaliarmos criticamente nosso próprio tempo, nossas produções e a forma como o representamos nosso mundo (interno e externo).
Referências
BEHR, Shulamith. Expressionismo. 2. ed. São Paulo: Cosac e Naify, 2001.
BRILL, Alice. “O Expressionismo na Pintura” in: GUINSBURG, J. (org) O Expressionismo. Ed. Perspectiva S.A., São Paulo, 2002.
CÁNEPA, Laura Loguercio. “Expressionismo Alemão” in: MASCARELLO, F. (org.) História do Cinema Mundial. Ed. Papirus, São Paulo, 2006.
CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2004.
FERNANDES, Fernanda. “A Arquitetura do Expressionismo” in: GUINSBURG, J. (org.) O Expressionismo. Ed. Perspectiva S.A., São Paulo, 2002.
FRANÇA, Maria Inês. “A Inquietude e o Ato Criativo: Sobre o Expressionismo e a Psicanálise” in: GUINSBURG, J. (org.) O Expressionismo. Ed. Perspectiva S.A., São Paulo, 2002.
MASON, Antony. No Tempo de Picasso: Os Fundamentos da Arte Moderna. São Paulo: Callis, 2004.
MASON, Antony. No Tempo de Renoir: A Era Impressionista. São Paulo: Callis, 2009.
MATTOS, Cláudia Valladão de. “Histórico do Expressionismo” in: GUINSBURG, J. (org.) O Expressionismo. Ed. Perspectiva S.A., São Paulo, 2002.
NAZÁRIO, Luiz. “Quadro Histórico” in: GUINSBURG, J. (org.) O Expressionismo. Ed. Perspectiva S.A., São Paulo, 2002.
BLANCHARD MODERN ART. Blog que discute e apresenta a arte moderna. Disponível em: <http://blanchardmodernart.blogspot.com.br/2010_10_01_archive.html>. Acesso em 19 de maio de 2011.
CENTRO DE RECURSOS. Álbum “Fauvismo, Expressionismo” do Centro de Recursos. Disponível em: <https://plus.google.com/photos/103748257602456329560/albums/5044812087075925985?banner=pwa>. Acesso em 19 de maio de 2011.
KETTERER KUNST. Website de Leilões de Artigos da Arte. Disponível em: <http://www.kettererkunst.com/details-e.php?obnr=411000366&anummer=366>. Acesso em 19 de Maio de 2011.
MAIS ARQUITETURA. Website sobre Arquitetura. Disponível em: <http://maisarquitetura.com.br/a-cadeia-de-cristal-e-o-uso-do-vidro-no-expressionismo-por-thaa2>. Acesso em 19 de maio de 2011.